quinta-feira, 17 de setembro de 2009

MARIO PERNIOLA - MILAGRES E TRAUMAS DA COMUNICAÇÃO


MARIO PERNIOLA

MILAGRES E TRAUMAS DA COMUNICAÇÃO

INTRODUÇÃO

Impossível, porém real!

Tradução da página 3 a 10



Raramente e só em tempos recentes, a humanidade se pergunta sobre o significado do que eles viviam, individualmente e coletivamente: a maioria dos seres humanos, num passado, foi absorvida pela preocupação de sobreviver e, possivelmente, a viver com menos esforço e mais bens disponíveis. O significado da vida individual e coletiva não constituía um problema, porque a resposta já era fornecida à condição social nos quais se nascia proferida pelo saber e pelos rituais.

No entanto, desde os tempos modernos, e especialmente no século XIX e na primeira metade do século XX, desenvolveu-se no ocidente, sobretudo nas classes que tinham conseguido riqueza através do exercício de funções administrativas, comerciais e industriais, a tendência para olhar para si mesmo no decorrer da vida individual e social, a existência de princípios racionais, e não mais, semelhante ao que aconteceu nas ciências, teria permitido não só para entender o que aconteceu, mas mesmo para prever o que aconteceria sem recorrer à adivinhação e artes mágicas. O grande florescimento da literatura narrativa e da historiografia no século XIX e no século XX responderam a pretensão de atribuir um significado novo e original a vida dos indivíduos e do coletivo, de modo a inserir um plano de desenvolvimento que poderia individualizar com relativa confiabilidade os significados de um progresso ou de um regresso no desenvolver-se das vidas pessoais, familiares, institucionais, econômicas, políticas, sociais, culturais e permitindo assim, a possibilidade de uma ação capaz de intervir de modo eficaz sobre o desenrolar dos acontecimentos.

Todo este imenso trabalho de racionalização da vida privada e coletiva sobre os quais é fundada a vida ocidental e que lhe garantiu a conquista do mundo, funcionou muito bem até o fim da segunda guerra mundial, encontrando em seu cumprimento a vitória sobre o nazifacismo e na escravização de uma grande cultura que foi capaz de resistir à colonização euro-americana, a japonesa. Apesar dos infinitos horrores, estragos, abates, genocídios e várias catástrofes, os quais se constatam nesse período histórico, existem várias explicações para tais eventos, diversas e também opostas entre elas, que fornecem chaves para leituras bastante plausíveis.

As gerações que cresceram depois do fim da segunda guerra mundial não tinham herdado esta concepção de mundo baseado na importância decisiva das ações individuais e coletivas e sobre o caráter racional e progressivo da história: tal concepção torna-se para eles um tanto estranha tão quanto a data do nascimento deles se aproximava do fim da segunda guerra mundial. Esses foram testemunhas de eventos de tudo imprevisíveis, os quais o significado permanece opaco e indecifrável que recorrem aos conceitos e as noções que dominavam o século XIX, encontram-se assim hoje nas condições de não ter ainda compreendido nada dos eventos por eles vistos e nem eles têm, por vezes, ao menos pensado em desempenhar o papel de protagonistas.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o que aconteceu no Ocidente são quatro fatos imprevisíveis que têm surpreendido até mesmo o público mais informado: o maio francês de 1968, a revolução iraquiana de fevereiro 1979, a queda do muro de Berlin em novembro de 1989 e o atentado as Torres Gêmeas de Nova Iorque em setembro de 2001. No confronto desses fatos a maioria das pessoas elas próprias fizeram uma frase do escritor francês Georges Bataille, impossible et pourtant là (impossível, e ainda aqui!). De fato, muitos previam que uma revolta dos estudantes franceses teria dado lugar à maior greve selvagem da história? Que monarquia sustentada pelo forte apoio americano e por um sistema repressivo impiedosamente seria derrotada em poucos meses por uma revolta popular direta do clero? Que regime construído sobre uma densa rede de informantes e espiões da polícia iria dissolver-se rapidamente? Que, enfim, dezenove kamikazes seriam capazes de concluir com êxito um atentado devastador em solo americano?

É notório que os contemporâneos não são os melhores conhecedores de seu presente: a maioria das pessoas não vivem na atualidade, e ainda os mais informados se enganam. Parafraseando, toma-se como exemplo de Lenin que poucas semanas antes da eclosão da revolução russa, dizia aos operários suíços que esses seriam mortos antes que estes tivessem lugar. Em princípio, uma noção do que tem sido experimentado individualmente e coletivamente, nós descobrimos apenas no final.

Sempre foi difícil prever o futuro: entretanto os eventos sucessivos nos anos sessenta do século XX apresentam aspectos mais refratários às interpretações que recorrentes às categorias históricas e ideológicas modernas.

Esses eventos apóiam-se mais como milagres do que como cumprimentos de processos de que se conhecem para a condução ou realizações de utopias; mais como traumas que como tragédias ou catástrofes dos quais se é possível elaborar o luto. É certo que no momento pelo qual a sociedade humana aparece tornar-se mais racional graças às extraordinárias invenções da tecnociência, rompendo com as experiências individuais e com fatos históricos os quais aparentam caracterizar uma irracionalidade, que partem de um horizonte artístico e religioso mais do que aquele científico e filosófico, mais síndromes psicóticas que explosões de contradições ou crises que se possam ser superadas.

Se ver a verdade real da coisa, os quatros fatos dos quais se fala são menos importantes do quanto aparentam a primeira vista. Em 1968, depois da selvagem greve, todos retornam ao trabalho. A revolução iraniana não é propagada a todo o Islã e fica confinada somente a um país. A condição econômica dos alemães do leste é ainda muito inferior a respeito ao dos alemães do oeste. Os canos causados ao ataque das Torres Gêmeas foram do ponto de vista militar, insignificante. Estes fatos ligados a si próprios e isolados de suas conseqüências tem algo de irônico. Do maio francês um filósofo dizia: Le Sang n´a pás coulé, donc rien s´est passe ( o sangue não é derramado, então nada aconteceu). No caso iraniano de sangue ao invés nem é derramado muito, mas a revolução não encontrou os objetivos aos quais se propusera. Quanto a condução do muro de Berlin, vale um célebre aforismo de Stanislaw Lec – Um amanhã melhor não dá a mínima certeza de um depois de amanhã ainda melhor. A respeito das Torres Gêmeas, ainda é Lec a vir com uma ajuda: Quem sabe, talvez os muros de Jericó ruíram totalmente pelas fortes trombetas? Se tenta compartilhar a atitude irônica que o histórico alemão Jakob Burckhardt nutria nos confrontos dos processos históricos.

Ainda que se pudesse negar o impacto imaginativo e afetivo o que estes quatro eventos tinham separados?

Precisa-se aprofundar nas noções de milagres e de traumas para compreender quanto estes foram de longe da sensibilidade e das categorias filosóficas, políticas e sociais no século XIX e meados do século XX.

Para Bataille o milagre define-se a experiência da soberania que si manifesta quando nós escapamos do mundo das utilidades e de acesso a uma experiência plena do presente. Isto é, segundo Bataille, em uma série de eventos que compreendem a arte e o sacro, o riso e o choro, a sensualidade e a morte. O encontro com estes acontecimentos geram uma espécie de intoxicação, uma sensação milagrosa, a entrada em um estado extraordinário que se emancipa da produção ao cotidiano. Assim, o termo não deve ser intenso, com referência exclusiva a uma transcendência. Para Bataille, as palavras miracle e miraculeaux são entendidas em sentido literal: do latim mirus que significa maravilha, maravilhoso, surpreendente. O contexto que leva o milagre por Bartaille é ligado à etimologia de mirus que tem uma afinidade com o radical indu-europeu do qual provem do grego µƐɩᵹɩάɯ que significa sorrir, e do inglês smile. Do demais, só o ser humano sorri. Se em outros livros, Bataille é tido como o fundador de uma antropologia erótica, que viu apenas no erotismo o caráter distintivo do ser humano, aqui o sentido parece andar no sentido a uma antropologia sorridente. De fato o milagroso instante é aquele que se espera resolver em nada. Bartaille parece repetir a famosa definição de Kant, segundo o qual o riso é uma afeição que deriva de uma expectativa tensa, que de repente desaparece no nada.

Na expressão francesa: impossible et pourtant là tem uma particularidade lingüística da língua francesa muito significativa. Afeta principalmente o fato de que o là francês corresponde ao aqui português. Por exemplo, as expressões Que fais-tu là? Se traduz: Que faz aqui? Les faits sont là se traduz: Estes são os fatos. Impossible et pourtant là. Esta expressão francesa resulta intraduzível em outras línguas, mas exprime muito bem a estranheza dos quatro acontecimentos. Essa implica um certo casamento, um décalage, um shift respeito a verdade real da coisa. Porque em francês se esforça là ao invés de ici? O Advérbio francês là é ambivalente; ele implica ao mesmo tempo perto e longe.

Se trada de uma idéia importante. Na verdade, ela se refere um outro que não é limitado pelo fato em si, mas envolve uma pluralidade muito maior de memórias e expectativas, ilusões e interesses. Assim, não é errado atribuir a estes fatos um significado paradigmático que os transformam uma divisão de quatro épocas distintas: a idade da comunicação, da desregulamentação, da provocação e enfim da avaliação.

Como se nota para Bartaille, os momentos soberanos por excelência nos quais se manifesta qualquer coisa de improvável, inesperado, até então considerado impossível, são aqueles os quais a morte e a sexualidade se aproximam até a confundir-se entre ambos. Aqui estamos ligando com fatos relativos não só as experiências pessoais, mas também aquelas coletivas, vale dizer a história. Certamente também para Bataille a história tem sido objeto de uma reflexão constante e tenaz. Entretanto eles pensaram na soberania quase sempre com referimento a época remota no espaço e no tempo. A antropologia e a antiguidade fornecem as referências e os exemplos da soberania pública, não o mundo de sua contemporaneidade: o potlatch, as pirâmides, os sacrifícios, as grandes artes do passado. Capitalismo e comunismo, os dois modelos de sociedade que se opõe ao seu tempo, restando para ele prejuízo tanto ao trabalho submisso servil e utilidade e, portanto, inacessível para as incursões do impossible et pourtant là.

Bataille morreu em 1962; poucos meses depois, a ordem mundial das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial parece dar alguns sinais de enfraquecimento. A causa de instalações de base de mísseis em Cuba, onde Castro instaurou um regime comunista, em relação aos EUA e União Soviética paira sobre um ponto de ruptura irreparável. A terceira guerra mundial parece iminente, mas esta não virá. Entretanto pela lógica da análise e do trabalho, que foi objeto da crítica de Bataille, compara ao linha da estética do consumo e do espetáculo. O homo Ludens, que era colocado na posição de homo laborans do racionalismo do século XIX, faz seu grande retorno e atende ao seu bem-estar com deusa da fortuna: o milagre toma o lugar do plano programático, o inesperado da espera, o maravilhoso do interessante. O surrealismo não tem mais razão de existir, porque é realizado: o maravilhoso é colocado ao alcance de todos.

Lentamente a sociedade ocidental começa a ser permeada de uma mentalidade milagrosa, que espalhou uma determinante contribuição dado ao desenvolvimento de uma tecnociência vista como fantaciência a respeito de realizar-se, significativamente acompanhada do declínio da maioria da população de consciência tecno-científica elementar. A contribuição ainda mais importante é a criação da mentalidade milagrosa é levada aos meios de comunicação de massa que eles próprios a partir dos anos 70 desempenham um papel muito importante que no passado, para a difusão da televisão e do efetivo feedback exercido sobre alguns agentes: a dizer impossibile et pourtant là não são sós aos espectadores, mas também aos atores dos eventos, os quais são os primeiros a melhorarem-se a ênfase dada pelos meios de comunicação para o seu desempenho e interesse com os quais seguem seus desenvolvimentos.


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